Lisboa,6 de Julho 2012- Estufa Real, Ajuda
Palestra: “(Crise?) Na Família, a solução”
Fátima Fonseca
Fátima Fonseca
1. FAMÍLIA E
CRISES-
Estive há poucas
semanas em Mangualde, onde desde o ano passado há uma “praia”e a “praia” já
estava aberta, como se podia ler em anúncios vários. Não sei se sabem, mas para
quem nunca foi à praia ( e ainda os há no interior do nosso país!), mesmo vendo
praias na televisão, pode-se chegar a acreditar que aquilo é mesmo uma praia,
porque tem água salgada dentro de um tanque comprido, tem areia à volta e até
tem um tapume gigante, pintado de azul a fingir que é o oceano e o horizonte…e a
que propósito vem esta divagação ? É simples, é que tal como há gente
interessada em fazer crer que aquilo é uma praia, por motivos de lucro e de
negócio, também há muita gente que por razões que aqui não vamos explorar,
resolveu chamar “família” a qualquer tipo de convivência debaixo do mesmo tecto. Ora na Declaração
final do recente Congresso das Famílias em Madrid, em 25, 26 e 27 Maio último,
aparece a seguinte frase: “Afirmamos que as soluções duradouras para os
problemas humanos, incluindo a actual crise económica, provêm das famílias(…) e
não podem ser impostas por decreto burocrático ou judicial(…)”.
“As soluções
provêm da família” – é este justamente o nosso tema!
Recordo aqui
que esta Família não se presta a confusões: ela é a família natural, a ideal
e verdadeira, fundada no casamento entre uma mulher e um homem, é uma comunidade de pessoas ligadas pelo Amor
como “fonte e estímulo incessante para acolher, respeitar e promover o Bem de
cada um dos seus membros”.
É esta família
– simultâneamente, âncora, fortaleza e porto de abrigo! - que dá consistência à
Pessoa, que a alimenta e faz crescer como Pessoa, assim como é cada uma destas
Pessoas, nascida e fortalecida na Família, que por sua vez, vai alimentar e
contribuir para o Bem da Sociedade, de tal modo que podemos dizer como o prof Aquilino
Polaino, que: “ Desfazendo a família, desfaz-se a
sociedade inteira. A família é anterior e superior à sociedade, tal como a
sociedade é anterior ao Estado. Sem pessoa não há família. Mas sem família, a
pessoa quebra, não amadurece ou estrutura-se mal. Sem família não há sociedade.
Sem sociedade não há Estado. O próprio futuro e sobrevivência do Estado
dependem da família”.
Muitas são as
vozes com autoridade e conhecimento que afirmam que esta crise económica que se
instalou e tem varrido a sociedade ocidental, em especial a Europa, tem origem
numa profunda crise de valores - que necessariamente afecta as famílias - e tem
as suas raízes na perda de respeito pela vida humana e pela sua dignidade,
visível num materialismo extremo de busca incessante de poder e lucro crescente e a qualquer preço, sem
escrúpulos, sem trabalho e sem moral. Já Gandhi falava nos “pecados sociais”…Não
podemos por isso estranhar que as famílias de hoje estejam marcadas por uma
acentuada diminuição da natalidade desde 1995, apresentem uma redução drástica no
número de casamentos, um considerável aumento de divórcios e de uniões de
facto, bem como um aumento do número de crianças nascidas em coabitação dos
pais. Por detrás dos números frios das estatísticas escondem-se incontáveis
histórias de dor, violência, sofrimento moral e abandono.
Mas o que é
uma crise, afinal? Mais grave, profunda, complexa e duradoura que um simples conjunto
de problemas, a crise é uma situação de mudança biológica, psicológica ou
social que gera ruptura e perturbação na homeostase ou equilíbrio da pessoa,
pela perda dos elementos estabilizadores habituais, o que obriga a um esforço
acrescido para recuperar a estabilidade e equilíbrio emocional. Poderemos
dizer que quanto melhor entendermos o que nos perturba, mais positiva poderá
ser a busca de soluções, a mudança de atitudes e comportamentos.
Por isso
sugiro que deixemos a crise económica que nos afecta e que entremos antes nas
crises da família, para as compreendermos melhor e podermos chegar a soluções ao
nosso alcance, que igualmente nos permitirão fazer face à crise económica ainda
que indirectamente!
2. CICLO DE
VIDA DA FAMÍLIA –
As crises na
família surgem em geral ciclicamente, com maior ou menor gravidade,
acompanhando o chamado ciclo de vida da família; assim, elas acompanham as
mudanças sucessivas de etapas do ciclo de vida familiar, que começam pela fase
da formação do casal, depois o nascimento do 1º filho, depois a entrada na
escola deste 1º filho, a sua adolescência, depois a sua saída de casa, a fase
do ninho vazio e finalmente,, a reforma de um ou dos dois e depois, o luto.
Se
compreendermos como os nossos problemas são comuns a tantas outras famªs
e pudermos
aprender da experiência de mudança de atitudes dos outros, através do
Aconselhamento
Familiar, por ex.,ou do conselho de um bom sacerdote, ou um médico de con-
fiança, perderemos
o medo, controlaremos a angústia e sairemos das crise robustecidas, mais amadurecidas
pela dor e reencontraremos a alegria e a paz. Saberemos que temos recursos
externos e internos ( por ex. a Inteligência Emocional ( empatia, resiliência, generosidade, optimismo, capacidade
de entreajuda e trabº em equipa,etc).
Perceberemos então,
que cada etapa pode ser uma fase de grande vulnerabilidade, porque estaremos perante
situações novas de perdas e teremos de reencontrar o equilíbrio perdido através
da realização de tarefas, mas há soluções e apoios e não nos acontece só a
nós….
Concretizemos um pouco e talvez a música e poesia nos possam
ajudar:
·
Na 1ª etapa de formação do casal, à
partida parecem estar reunidas as condições para que tudo corra bem…Não sei se
conhecem a música: “ Anda comigo ver os aviões...-
Um dia eu
ganho a lotaria ou faço uma magia…mulher, tu sabes o quanto eu te
Amo, o
quanto eu gosto de ti e que eu morra aqui, se um dia eu não te levo à
América,
nem que eu leve a América a ti….se um dia eu não te levo à lua, nem
Que eu
roube a lua só para ti…
”Com este amor
louco, esta paixão, estas promessas, qual é a dificuldade...? Dar conta de que
a realidade é diferente do sonho;
perceber que não passamos o dia a olhar um para o outro, é preciso o esforço de
mil coisas menos agradáveis, há uma rotina cansativa,etc Há os feitios de cada
um, as manias, os gostos e é preciso aprender a
conhecer a passar por cima de coisas sem importância, em nome do “Nós”
essa nova realidade mais importante do que o eu de cada um...
·
Depois, vem o 1º filho . Lembram-se do fado
de Coimbra: “O meu menino é de ouro, de ouro é o meu menino, hei-de levá-lo ao
céu enquanto for pequenino”
Nova alteração
brusca : são as horas da mamada, o sono interrompido, os
banhos, as
visitas, os conselhos das sogras e avós, o pediatra, a depressão pos-parto,
etc.
O casal pode
encontrar dificuldades que não sabe como ultrapassar; cansaço,
nervosismo e
insegurança da mãe, o pai a sentir-se
esquecido e com um papel secundário, a mãe sem dar conta de 1001 pormenores só
em função do bebé,se não tiver ajudas…é tempo de renegociar as tarefas
domésticas entre o casal, reaprender novas rotinas, fazer novo orçamento
familiar, ganhar alguma independência e segurança porque hão-de “sobreviver” os
três, etc… Passemos por cima da saída para a escola e falemos então de
·
Adolescência
que coincide com a “fase sanduíche” tão difícil: por um lado um adolescente
que é um filho estranho em casa, por outro, os pais/ avós já idosos a requererem
a nossa atenção, se é que não há outros filhos mais pequenos. Uma fase de
desequilíbrio, novidade, afastamento entre os membros da família, dispersão,desacerto,um
sufoco, que leva a que ninguém se sinta bem em casa e a mãe a fazer de
“bombeiro” voluntário, sempre a tentar apagar fogos... Lembram-se ?
“ não há
estrelas no céu a adorar o meu caminho, por mais amigos que tenha
Sinto-me
sempre sozinho…para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar,
Parece que o mundo inteiro se uniu
p’ra me tramar”.
E não é só o
adolescente que assim se sente, quando se fecha no quarto e atira com a porta
para mostrar a sua má disposição. Também o pai e a mãe podem ter a tentação de
assim se sentirem...A casa torna-se tensa, há um clima de guerra latente,
perdas de paciência e é um tempo de alto risco. Mas passará e com ajudas de
Aconselhamento Familiar saberemos “dar a volta” à crise...
·
Depois, saída de casa, dos filhos, a fase do
“ninho vazio” – novo período muito difícil em que o casal julga poder enfim,
voltar ao princípio, mas já não são exactamente as mesmas pessoas .O tempo passou e modificou-os, bem
como as circunstâncias de vida.
·
Conhecem a Música “Encosta-te a mim”?...
nós já vivemos cem mil anos…
Não queiras
ver quem eu não sou…tudo o que eu vi estou a partilhar contigo.
Sei que não
sei às vezes entender o teu olhar, mas quero-te bem,
encosta-te a
mim…” As crises vencem-se, mas vale a pena pedir as ajudas certas no
momento certo. Recorrer a um Aconselhamento que nos dê o conselho certo, não o
que nos diz o que parece a saída mais fácil : “vire as costas e parta para
outro relacionamento....ainda é nova! Tem direito a ser feliz...!”
Dizia Tolstoi:
“só há uma maneira de acabar com o mal, é responder-lhe com
O bem”. E
ainda: “Não há senão um modo de sermos felizes: viver para os outros.”
S. João da
Cruz dizia: “Onde não há amor, põe amor e tirarás amor”
3. SOLUÇÕES
PRÁTICAS
Não queria
desiludir quem pensou que vos traria aqui algumas soluções
para os probls
financeiros que de repente nos entraram porta adentro, ou se
agravaram.
Julgo que essas soluções têm de vir dos peritos, mas não posso
deixar de vos
referir o exemplo de uma grega valente, Angeliki, que tal como outros 60 mil gregos, deixou a capital,
voltou à aldeia de seus pais e começou a fazer cultura do caracol…Para isso
teve de contar com o apoio do marido e dos pais:
solidariedade
intergeracional….pais com netos, num tempo em que porventura se sentiam no
direito de descansar, capacidade de sacrifício e dedicação,
inovação, corag em para enfrentar uma nova
vida, arregaçando as mangas...
Bento XVI
propõe exactamente, estas virtudes da família para superar a crise económica
através de novas formas de solidariedada no mundo da empresa, do trabº e da
economia.
O nosso Cardeal
Patriarca, há algs semanas atrás, dizia algo de parecido: “Se a lógica do
amor fosse colocada em prática, a sociedade seria diferente e teria um rosto
novo!”
As
perguntas que julgo vos e nos trazem aqui hoje,serão por isso:
Mas o que
podemos nós fazer, nós as mulheres do século XXI? E porquê, nós, as mulheres?
Começo pela
segunda: Nós podemos fazer muitas coisas diariamente, exactamente
pela nossa
posição-chave na família; sem desprimor para os homens ( pai, marido, irmãos,
filhos, etc) que amamos e dão cor à nossa vida e nos ajudam a santificar, são
as mulheres as grandes artistas da conciliação do inconciliável, pela sua
capacidade de resistência, imaginação, frescura, alegria, sacrifício, doação e
dedicação, pela sua sensibilidade e intuição, pela sua inteligência emocional e
coragem para enfrentar as grandes e pequenas tarefas diárias com poucos
recursos…
e poderíamos
citar variados exemplos de quem enfrentou grandes desafios com dedicação
extraordinária e heróica: Elizabeth Leseur,
Madre Teresa de Calcutá, Gianna Beretta Molla e muito recentemente, a
jovem Chiara Corbela Petrillo...
não teremos
tempo, mas vale a pena lerem em casa, na Internet, estes exemplos de mulheres
do nosso tempo....
Por isso vos
proponho como resposta concreta à proposta do Papa Bento XVI, que desenvolvamos
as virtudes da Família com base em 5 vogais:
Amor: abertura aos outros, acolhimento/serviço,
alegria, agradecimento;
Empatia: escuta, entre- ajuda,esforço,
entrega de si;
Iniciativa e Imaginação ao serviço do
Bem de cada um dos membros da nossa família, em 1º lugar, e depois daqueles com
quem nos cruzamos na vida;
Optimismo e ousadia; organização e oração ( que é nossa
âncora e pára-raios);
Unidade ( ninguém fica esquecido, um
por todos, todos por um), unidade de vida: sou o que penso e penso o que sou, o
tema da minha oração projecta-se na minha vida…e por isso uno e desato nós e
perdoo...Don’t let the sun go down upon your wrath...- S. Paulo- “não deixes
que o sol se ponha sobre a tua ira!”
Mas se as 5
vogais vos parecerem uma sugestão ainda difícil de reter e cumprir, podemos
simplificar:
Tudo se pode
resumir a transformar a nossa vida num compasso binário, dois movimentos apenas
: inspiro e expiro- recebo o Amor de
Deus e levo-o a todos os outros. Caio e levanto-me. Experimentem!
S Josemaria
Escrivá dizia “ Que curta é uma vida
para amar!”...é esta a nossa missão.
Podemos
olhar as diferentes crises sem esperança, porque as nossas forças humanas são realmente
muito frágeis , mas apenas na Fé em
Cristo encontraremos força e luz.
Disse o Papa
Bento XVI na visita à Alemanha que:
“Não é que
quem acredita em Jesus tenha a sua vida constantemente cheia de sol, como se
fosse possível poupar-lhe sofrimentos e dificuldades; mas há sempre uma luz
clara que lhe indica o caminho, o caminho que conduz à vida em abundância. Os
olhos de quem acredita em Cristo vislumbram uma luz mesmo na noite mais escura
e nela vêem já o fulgor de um novo dia. A luz não está sozinha e à nossa volta
acendem-se outras luzes”. E hoje estamos aqui também a acender essas
luzinhas...
Por isso há algumas
músicas que me inspiram particularmente e que certamente conhecem:
“Deixa a luz do céu entrar, deixa a luz do
céu entrar, abre bem as portas do teu coração e deixa a luz do céu entrar!”.
Termino,
recordando o sacerdote poeta Padre Tolentino, nas suas palavras:
“Precisamos em
qualquer idade, mas sobretudo à medida que avançamos na idade, de reganhar
espiritualmente, um coração de criança, voltar a ser pequenino no espanto e
confiança com que vivemos os caminhos de Deus”.
Pensei por
isso, convidar-vos a cantar, mas mudei de ideias e peço-vos que escutem o poema
maravilhoso do Cardeal Newman em vésperas da sua conversão ao catolicismo:
...Que importa
se é tão longe para mim,
A praia onde
tenho de chegar,
Se sobre mim
levar constantemente,
Poisada a
clara Luz do teu olhar...
Luz terna e
suave, no meio da noite,
Leva-me mais
longe, leva-me mais longe,
Não tenho aqui
morada permanente....
Leva-me mais
longe...
(...)
Se Tu me dás a
Mão não terei medo
Meus passos
serão firmes no andar...
(...)
Leva-me mais
longe...
(...)
(passar CD das
Equipas, versão do Peu Madureira, faixa 5)
Obrigada!
FF
Estufa Real,
Lisboa, 6 Julho 2012
Sem comentários:
Enviar um comentário