Mulheres
do Século XXI
Palestra
de Marta Mendonça
Notas
de Rita Carvalho e Sofia Guedes (em verde)
Toda a vida humana
tem uma dimensão ética.
A maternidade gera
uma relação indestrutível e inanulável. Uma relação que instala o ser do outro,
o filho. É uma relação radical.
Temos de tratar as
pessoas como um fim, não um meio.
Ser é
ser filho de alguém.
A maternidade é uma
tarefa, é agir pelo bem dos filhos. O desejo de maternidade está inscrito nas
pessoas. Ele é legítimo e a ciência deve investir para eliminar as causas da
esterilidade. O progresso científico deve ajudar a eliminar este sofrimento,
mas não podem ser usados todos os meios pois não vale tudo. Ex: seria fácil
acabar com a sida eliminando todas as pessoas infectadas, mas não seria ético.
Ter um filho não é um
direito.
A mãe é o lugar de
acolhimento da vida humana. Toda a viabilidade do filho depende do acolhimento
e cuidado da mãe. Ex: ao alimentar-se, a mãe está a alimentar o filho.
O drama
da esterilidade é do casal. Mas a filiação é também do casal.
A solicitude é um
dever dos pais e um direito dos filhos. O dever da mãe é ser a casa do filho,
não é dar-lhe uma casa. É uma relação biológica, física e pessoal. Na
maternidade de substituição tenta-se justificar que é possível escolher outro lugar
para o filho, ou seja, esse espaço pode ser o do meu útero ou o de outra pessoa.
Quer-se o filho mas não a relação biológica que isso implica.
É, ao mesmo tempo,
uma rejeição biográfica: é a primeira fase da vida de um filho que não se quer
viver. Nos primeiros nove meses, é como se o filho vivesse num internato sem
direito a visitas. Quer-se um filho mas não se asseguram as condições
biológicas.
A possibilidade da técnica de intervir no início da vida do filho,
cira risco à maternidade e paternidade e revela e gera poder.
Na procriação
medicamente assistida (PMA) há a ideia de que ter um filho é poder. Em todos os
aspectos aquela criança é filha de um casal mas não é filho dos dois.
Na PMA é possível uma
gravidez sem maternidade biológica e uma maternidade de substituição sem
gravidez. A mãe dá o material genético mas não carrega o filho no ventre.
A maternidade não é
uma experiência, é uma relação biológica inseparável. Não se é pai/mãe de um
corpo mas de um filho que tem corpo.
O não acolhimento do
corpo é o não acolhimento do ser. Nas barrigas de aluguer recorre-se a uma
terceira pessoa para levar a cabo uma gravidez que não se deseja. Quer-se
garantir a maternidade mas sem a disponibilidade da mãe.
Instala-se uma
relação de poder. Os adultos assinam por contrato/decreto quem é pai e mãe e o
filho é alheio a isso. Não sofre fisicamente, mas humanamente sim. Ele é
alguém. Não é alguém que eu possa manipular. Pode-se fazer e agir com as
melhores intenções, isso não está em causa, mas o que se faz, na prática, é
isto.
Para a discussão do
tema, não é eficaz acentuar o tom na questão emocional pois tal produz a ilusão
da razão. Ficamos sem resposta para a questão; então qual é o mal?
As barrigas de
aluguer não são um problema mais grave do que o aborto eugénico ou a fivete
(fertilização in vitro). São apenas mais complexos. E a barriga de aluguer
reflecte uma mudança sem precedentes, que nem sequer conseguimos vislumbrar o
alcance.
Até aqui, o homem era
sempre acolhido biologicamente pela mãe, mesmo que esta depois não conseguisse fazer
mais nada por ele. Agora a vida humana passa a ser produzida e fica na mão de
relações despóticas, mesmo que bem intencionadas. A vida é obra de uma vontade.
O homem entra na
comunidade humana por concessão dessa comunidade que fez o favor de o produzir.
As razões para se
optar pela barriga de aluguer são várias: questões de saúde (ex: ausência de
útero), problemas profissionais (dava jeito um filho mas não a gravidez), ou
questões estéticas.
Vê-se a maternidade
como um direito. Pensa-se que uma coisa é o filho, a outra o seu corpo.
Separa-se o filho do corpo do filho, como se não fossem a mesma pessoa.
As barrigas de
aluguer são apenas mais um passo num caminho que começou há muito tempo atrás:
primeiro, separou-se a sexualidade dos filhos (ter sexo sem filhos), depois os
filhos da sexualidade (filhos sem sexo) e agora a maternidade da gravidez.
Desumanizou-se a
maternidade e coisificou-se o filho. Passa a ser um produto e não o resultado
de uma relação. Da procriação passou-se à produção. Estamos ao nível das
relações de domínio.